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Unicamp cria novo biomaterial para regeneração de ossos

Em pesquisa realizada conjuntamente na Faculdade de Ciências Aplicadas da Unicamp, o Laboratório de Ciência e Tecnologia de Polímeros (área das engenharias) e o Laboratório de Biotecnologia (área da saúde) conseguiram produzir e avaliar o grau de toxicidade de um novo biomaterial que apresentou resultados promissores para futuras aplicações na regeneração de tecidos ósseos. É o primeiro passo de uma investigação científica que exige mais investimento para novos testes, inclusive em animais e humanos, até que o produto possa chegar ao mercado. O desenvolvimento foi relatado em artigo publicado neste mês na revista Journal of Applied Polymer Science,  revista com grande visibilidade internacional da área.

Trata-se de uma nova membrana de poliuretano produzida por rotofiação (veja detalhamento abaixo), a qual não apresentou nível tóxico em contato com osteoblastos in vitro, ou seja, tem boa interação com células envolvidas na formação dos ossos do corpo humano. A membrana é um tipo de rede muito fina, estruturada para permanecer temporariamente no corpo. O biomaterial dá suporte para o crescimento de novas células até a completa regeneração do tecido e vai se degradando ao longo do processo, até desaparecer completamente.

A pesquisa foi financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e pelo Fundo de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Extensão da Unicamp (FAEPEX).

Biomateriais são desenvolvidos em laboratórios e comumente utilizados na área da saúde para substituir total ou parcialmente tecidos ou órgãos do corpo humano que tenham perdido suas funções. Os mais comuns atualmente são os polímeros e os metálicos, já que também são capazes de estimular a regeneração de um tecido danificado.

Os dois laboratórios envolvidos na pesquisa são vizinhos de parede, mas foi na sala de café da Faculdade que Laís Pellizzer Gabriel, docente de Engenharia de Manufatura e Augusto Ducati Luchessi, professor da disciplina de Biologia Celular e Molecular , se conheceram pessoalmente e começaram conversas que possibilitaram o início da parceria para a pesquisa. “O momento do café serve para espairecer um pouco das horas seguidas de forte concentração no laboratório e normalmente é quando os encontros e diálogos acontecem e as novas ideias surgem. Foi assim que aconteceu conosco”, conta Laís.

Durante dois anos, os professores pesquisadores – assim como suas orientandas, a mestranda Isabella Rodrigues (primeira autora do artigo) e a doutoranda Letícia Tamborlin – trabalharam conjuntamente elaborando o projeto de pesquisa e realizando tanto as análises das propriedades morfológicas, térmicas e físico-químicas da nova membrana, quanto aquelas que determinaram o comportamento das células em contato com o biomaterial.  Os professores explicam que  avaliação da toxicidade é a primeira e mais importante análise a ser feita quando se tem um novo biomaterial e que há vários parâmetros para determiná-la corretamente, muitos dos quais desconhecidos por especialistas em engenharia de materiais. “Participando de um congresso sobre novos materiais organizado por engenheiros, percebi que normalmente eles utilizam somente um ou dois parâmetros para avaliação da toxicidade, que são importantes e obrigatórios, porém insuficientes para uma avaliação mais completa. São essas avaliações complementares que estamos colocando em prática”, explica Augusto.

O Laboratório de Biotecnologia, que ele coordena, utiliza rotineiramente diferentes  técnicas de avaliação da expressão de genes, que são muito importantes para caracterizar a interação dos biomateriais desenvolvidos pela Profa. Laís. “A parceria com a Profa. Laís está sendo muito gratificante e motivadora. Percebemos que nossa estrutura pode ser utilizada para outras linhas de pesquisa, favorecendo a interdisciplinaridade e inovação na unidade”.

Membranas de poliuretano são normalmente geradas através de eletrofiação – técnica de microfabricação que produz fibras com diâmetros em escala nanométrica utilizando alta voltagem e aplicada com sucesso em diversas áreas, especialmente na engenharia de tecidos. Entretanto, os autores da pesquisa apontam duas desvantagens: o uso de alta voltagem e a baixa velocidade de produção das fibras.

Pensando em superar tais dificuldades, os pesquisadores resolveram utilizar a técnica de rotofiação, que produz as fibras através da aplicação da força centrífuga. Entretanto, o equipamento previsto inicialmente no projeto de pesquisa não foi capaz de gerar uma membrana com as características (espessura, porosidade e alinhamento das fibras) procuradas pelo grupo e os cientistas precisaram projetar uma máquina ‘do zero’. A construção do novo equipamento foi feita em parceria com o Prof. Dr. Éder Sócrates Najar Lopes, coordenador do Laboratório de Manufatura Avançada na Faculdade de Engenharia Mecânica da Unicamp.

“Foi mais um desafio importante para a pesquisa, mas agora temos uma máquina que permite processarmos qualquer tipo de polímero e incrementá-lo com vários tipos de medicamentos e nanopartículas, formando as membranas em questão de minutos”, comemora Laís. A docente considerou a parceria bastante promissora, pois foi possível o desenvolvimento de um equipamento que possui parâmetros abertos, ou seja, os pesquisadores conseguem controlar todas as variáveis que influenciam na qualidade das membranas formadas.

A importância do investimento em pesquisa para investigações adicionais e futuras aplicações em saúde

Como foi mencionado acima, para que a inovação desenvolvida pelos pesquisadores chegue ao mercado e melhore a qualidade de vida de pacientes que sofreram perda ou dano ósseo, é necessário investimento adicional na pesquisa para que sejam realizados testes in vivo e ensaios clínicos. “O investimento nesta fase da pesquisa é primordial. A linha de investigação com foco no desenvolvimento de membranas como biomaterial é bastante desafiadora e o objetivo final é o que nos motiva: criar um produto seguro que ajude a melhorar a vida das pessoas”, afirma Laís.

Augusto, por sua vez, lembra que importar tecnologia custa muito mais do que desenvolvê-la no próprio país. “Sem investimento em desenvolvimento científico e tecnológico, o país acaba se tornando mero exportador de matérias-primas e consumidor de tecnologias estrangeiras – a conta fica muito mais cara, prejudicando-se também a educação, saúde, cultura, etc”.

É sabido que fazer pesquisa científica de qualidade não é barato em nenhum lugar do mundo. Na Alemanha, país reconhecido mundialmente como líder científico e tecnológico em várias áreas, o governo federal e os estados declararam, em maio deste ano, investimento de 160 bilhões de Euros no ensino superior e na pesquisa científica entre 2021 e 2030. E no Brasil?

Rotofiação e algodão-doce: ciência também é curiosidade e imaginação

Perguntada sobre possíveis semelhanças entre a máquina de fazer algodão-doce e a técnica de rotofiação, a mestranda Isabella Rodrigues, formada em Engenharia de Bioprocessos pela Universidade Federal de Itajubá, confirma ter vindo exatamente do doce a ideia que deu origem aos equipamentos atualmente utilizados em laboratórios. “O algodão-doce nada mais é que um polímero formado por várias moléculas de sacarose colocadas lado a lado”. Ciência também é curiosidade e imaginação, e muitas ideias podem ser  geradas a partir da observação curiosa de detalhes presentes no mundo à nossa volta.

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