Na tarde do dia 13 de novembro de 2025, o Centro POP II, em Campinas, transformou-se num lugar de escuta e reconfiguração do pertencimento. O Grupo de Garantia de Direitos, que atua na orientação jurídica e cidadã de pessoas em situação de rua, realizou mais uma roda de conversa. Mas esta, em especial, teve outra densidade: foi também um grito coletivo contra a violência e o esquecimento.
 

O encontro reuniu usuários do serviço para um diálogo sobre cidadania, leis e dignidade. Não havia pressa, nem fórmulas prontas. Havia escuta, troca, cuidado. As falas se construíam como tijolos de reconstrução de autoestima.
 

Odair, participante do grupo, resumiu em poucas palavras o impacto do que viveu: “Achei muito bom saber o nosso direito de viver. Cada vez que eu sei mais das leis, eu me torno um cidadão melhor”.
 

A fala, curta e serena, ilumina um ponto essencial: ninguém deixa de ser cidadão por estar na rua. Ao contrário: conhecer direitos é recuperar territórios perdidos.
 

Quem também compartilhou sua visão foi Euclides. O depoimento dele mesclava denúncia e esperança: “Com essas informações sobre nossos direitos, vamos acabar com essa violência que está acontecendo aqui no país”.
 

Violência essa que, como lembrou Cidinha Regis, coordenadora do Centro POP Sares II, tem se alastrado sob o manto de políticas higienistas. “Rua não é identidade, não é destino. É um desvio temporário, forçado por rupturas, preconceitos, desigualdade estrutural”, pontuou ela.
 

A pandemia agravou esse cenário. De repente, a linha tênue entre “ter uma casa” e “estar na rua” revelou-se frágil e cruel. Rompimentos familiares, desemprego, questões de saúde mental, abandono, tudo isso se acumulou como tempestade perfeita. Segundo estudos recentes, a população em situação de rua cresceu 38% desde 2020 no país. Por trás das estatísticas, há histórias de perda, dor e resistência.
 

Foi com emoção contida que Yasmin, outra usuária, descreveu o grupo: “Foi maravilhoso. Fiquei sabendo de coisas importantes sobre os moradores de rua. Tenho fé que vai melhorar, e espero que continuem mais grupos assim. Estão abrindo as mentes das pessoas”.
 

E é isso que o grupo faz: planta sementes. Desconstrói o senso comum que reduz essas vidas a estigmas como “vagabundos”, “drogados”, “perigosos”. Como escreveu o IPEA, essa população é marcada por uma complexidade de causas, não por uma essência.
 

A escuta vira antídoto à desumanização. A palavra, ferramenta de reconstrução. Cada fala que emerge nos encontros como esse é um ato de resistência, mas também de criação. Criam-se, ali, possibilidades de futuro.
 

No Centro POP II, reafirma-se uma convicção: ninguém é menos cidadão por não ter endereço fixo. E conhecer os próprios direitos é, antes de tudo, um gesto de reconquista de si. Porque falar de direitos é abrir portas, e abrir portas é sempre o primeiro passo para que ninguém precise chamar a rua de lar.
 

Os Centros POP Sares

 

Os Centros POP Sares I e II em Campinas constituem o principal eixo de atendimento especializado à população em situação de rua. São vinculados à Proteção Social Especial de Média Complexidade do SUAS (Sistema Único de Assistência Social). As unidades oferecem:

 

  • Acolhida e escuta qualificada (ambos);

  • Atendimento individualizado com planos de acompanhamento (ambos);

  • Garantia de higiene, alimentação e acesso a documentação (Centro POP Sares II);

  • Atividades socioeducativas, culturais e de fortalecimento de vínculos (Centro POP Sares II);

  • Encaminhamentos à rede de serviços e políticas públicas (ambos).

 

Dados de atendimento: 
 

  • 2024: 13.996 atendimentos (média de 1.166 por mês);

  • 2025 (outubro): 11.703 atendimentos (média de 1.170 por mês).